Na panela de feijão

A instituição espírita de que Maria fazia parte estava a organizar uma feijoada beneficente, com o fito de aproximar os trabalhadores das diversas áreas, e também para angariar recursos necessários à expansão das obras sociais. Assim, os tarefeiros da Casa foram convidados a participar do empreendimento.

Maria trabalhava no passe e há algum tempo vinha experimentando certo desestímulo no desempenho de sua tarefa. Desde que a coordenação fora trocada, Maria sentia o interesse próprio diminuir, e terminava por prestar sua colaboração de maneira automática. Além disso, o novo coordenador trouxera ao grupo de passistas alguns jovens da Casa, com os quais Maria não se identificava nem um pouco.

Assim, o convite para a feijoada pareceu-lhe a oportunidade de arejar sua participação na Casa. Quem sabe naquela tarefa ela não encontrava um ambiente mais adequado à sua vontade de servir?

No dia marcado, Maria compareceu pontualmente no horário, e logo lhe foi atribuída a tarefa de catar o feijão, escolhendo os grãos apropriados. Isolada em um canto da cozinha, sem buscar interagir com os demais trabalhadores, logo Maria foi sendo envolvida pelo clima de desânimo e melancolia com o qual quase já se habituara na Casa Espírita.

Com o olhar perdido e triste, Maria selecionava os feijões maquinalmente, deixando transparecer seu estado íntimo de inquietude. Foi quando “Seu” Teodoro, experiente trabalhador da Casa, percebeu a situação e se aproximou, bonachão.

“Maria!”, exclamou com incontida alegria, fazendo com que a trabalhadora despertasse subitamente da letargia em que se encontrava, deixando cair alguns feijões ao chão. Depois do susto, Maria sorriu, tímida.

“O senhor me assustou!”, disse, expressando nessas palavras o respeito que sentia por Teodoro.

“Perdoe-me ser tão efusivo, mas é que nessas ocasiões fico muito alegre! É tão gratificante ver os trabalhadores da Casa todos unidos por um mesmo ideal, não achas?”

Maria concordou de leve com a cabeça, falando baixinho, “pois é”.

Teodoro então perguntou:

“Bem Maria, diga-me: o que estás fazendo?”

Como se tivesse sido pega em falta, Maria se justificou:

“Ué, estou catando o feijão… Fiz alguma coisa errada?”

Teodoro olhou-a com bondade e sorriu:

“Errada? Nada disso! Olha, eu não sou muito habilidoso dentro de uma cozinha, mas posso perceber que você está catando o feijão. O que eu perguntei foi outra coisa: Por que você veio para cá hoje, compartilhar conosco seus dotes culinários, dentro da casa de Jesus?”

Pensativa, Maria respondeu: “É o trabalho no bem. Precisamos dos recursos para nossa instituição, por isso vim colaborar com a feijoada”.

“E quem fará isso?”

“Nós, os trabalhadores.”

Após essa resposta, Teodoro juntou nas mãos um punhado dos grãos que Maria já havia selecionado e, tomando de uma panela próxima, jogou-os dentro.

“Maria, dentro da Casa Espírita somos como grãos de feijão dentro de uma panela. A princípio somos estranhos uns aos outros, muitas vezes até damos as costas a quem está perto de nós. E estamos crus, carregando nossa dureza.”

Teodoro, então, despejou água na panela até cobrir os grãos.

“Mas, ai, vêm as bênçãos de Jesus sobre nós, seus ensinamentos, seu amparo, que nos envolvem, nos confortam e, por vezes, até nos fazem flutuar”, disse bem humorado, mostrando alguns grãos que começavam a boiar na água.

O trabalhador acendeu, em seguida, uma das trempes do fogão e posicionou a panela em cima. Enquanto agia, era acompanhado pelo olhar surpreso e cada vez mais interessado de Maria.

“Na instituição, os trabalhadores estão sujeitos a enfrentar o fogo das provas e desafios. Muitas vezes, não é fácil. Atritos, dissensões, incompreensões… Essas ocorrências refletem, em verdade, as muitas dificuldades que ainda carregamos intimamente. São esses desafios que buscamos vencer na terapêutica do bem que abraçamos”.

“Quando o trabalhador consegue perceber que o fogo que o atinge o está purificando, tornando-o melhor, esse é o momento sublime da integração da criatura consigo mesma e com o trabalho que desempenha. É quando, juntos, os grãos de feijão começam a produzir o caldo do amor, tornando-se saborosos e transformando o ambiente em que se encontram.”

“Ao final do cozimento, os grãos perdem sua dureza inicial; estão tenros e mergulhados no caldo produzido em conjunto. Sozinho, um grão não consegue modificar a água mas, junto aos demais, torna-a cremosa e cheia de nutrientes.”

No entanto, ponderou Teodoro, nem todos os grãos contribuem para a excelência do prato. Há os que conservam a dureza de seus corações, encasulando-se em suas dores e inquietudes. E há, ainda, os que não resistem ao calor das provas, desfigurando-se, ao invés de conservarem sua identidade e consistência.

Os olhos de Maria tinham agora um brilho diferente. Ela se aventurou a falar:

“ Acho que estou agindo como um grão rebelde, duro, que nem percebe o sabor e a delícia de estar nessa panela bendita…”

Satisfeito, Teodoro arrematou:

Maria, somos todos ingredientes nas mãos do Cozinheiros Divino. Atendamos ao convite de participar do banquete com alegria, na certeza de que, mesmo na forma de um pequeno grão, seremos úteis e importantes na confecção do alimento da vida, capaz de saciar a fome de paz com que se apresentam hoje os que procuram a Casa Espírita.”

Autor: Martim Afonso de Souza.

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